muitos fios anos a fio

Tinha esta publicação escrita há umas semanas para ser publicada mal conseguisse ter a oportunidade de tirar fotografias que a acompanhassem. É meu hábito escrever antecipadamente porque não quero perder ideias ou inspirações, lembro-me de determinado assunto que acho ser interessante ser publicado no blog e escrevo acerca do mesmo, depois deixo a marinar até ao dia em que decido partilhar. Também existem vezes em que é a espontaneidade que dita o momento, como no caso desta pequena introdução que me está a sair agora mesmo pelos dedos minutos antes de fazer a publicação, que acabou por tardar mais tempo do que o previsto devido a umas semanas espinhosas. Uma das nossas gatinhas lutou quase duas semanas pela vida, eu estive sempre a tomar conta dela. Acabámos por perdê-la, era velhota mas custa sempre muito, como compreendem a minha disposição esmoreceu. Já com o ânimo mais aceso hoje tive vontade de vir aqui fazer a publicação, faz parte da descompressão, é terapêutico.

Vamos então ao que eu já tinha preparado. Aviso já que o paleio é muito...

novelos mesclados de várias cores e texturas

Recebi uma herança, mas diferente daquela ideia pré-concebida  que estamos habituados a associar às heranças, quer isto dizer que não implica nem terrenos, nem contas miraculosas.  

No tempo em que todas as crianças eram baptizadas porque tinha de ser também eu fui baptizada, teria um ano de idade. A Madrinha, como todos lhe chamamos (eu e os meus filhos, embora a madrinha seja só minha),  com quem tive sempre uma relação muito próxima, especialmente durante toda a minha infância e adolescência, foi responsável a par com a mãe, as avós e as tias, por esta minha paixão pelos fios, pelas texturas, pelas cores, pelas manualidades no geral. Mas a Madrinha foi a pessoa que mais me motivou e incentivou nestas andanças, foi quem mais me ensinou acerca do assunto e deixou-me o legado do gosto por saber fazer. Desde pequena que sempre a vi fazer muitos trabalhos manuais, crochet, tricot, bordados, mas também pintura e desenho, uma senhora com verdadeiras mãos de fada, tudo o que fazia saía absolutamente perfeito. Com ela aprendi inúmeras técnicas, menos pintar e desenhar, embora tivesse feito algumas tentativas mas o meu fraco potencial para traçar uma simples linha não me entusiasmou para a descoberta da minha expressão plástica, embora durante a minha adolescência ainda tenha feito algumas experiências de pintura em tecido. Adiante. A Madrinha, uma senhora sem filhos, cujo único familiar vivo sou eu (era prima direita do meu pai), foi dramaticamente surpreendida pela vida no Verão de 2018, sofrendo repentinamente um fortíssimo avc que a deixou brutalmente debilitada, retirando-lhe quase noventa por cento das suas capacidades físicas e à posteriori as intelectuais. Acabou por partir em Agosto do ano passado, precisamente três dias antes da partida do meu querido pai... uma semana muito dura. Conheci-a sempre com problemas de saúde, mas o que considerei ser o mais problemático foi a violenta depressão silenciosa que sofreu durante anos, que a levou à necessidade de compensação através do consumo compulsivo. Ora, é aqui que entra a herança. Ao partir  a Madrinha deixou-me quantidades astronómicas de livros, revistas, roupas, sapatos, malas, roupa de casa,  loiças de todo o tipo, pequenos electrodomésticos para tudo o que se possa imaginar, tudo novo, tudo bom, sem uso ou usado uma ou duas vezes se tanto, mas também deixou muitas  bugigangas, cacarecos, quinquilharias, bibelots a perder de vista. Além de tudo isso ainda deixou toneladas de material para manualidades, dariam para montar uma loja (!) Na altura em que comecei a mexer e a ter de resolver o que fazer a tanta coisa, andei boquiaberta durante semanas e a minha capacidade de organização, e tenho-a, bloqueou, dei um nó no cérebro. As imagens de sacos cheios de tudo até ao tecto não me saíam da cabeça e chegaram a impedir-me de dormir na aflição de não saber por onde começar  nem o que fazer a tanta tralha. Com a ajuda preciosa da minha filha, e digo-vos que sem o pragmatismo da minha filha não teria conseguido vencer esta batalha, eu e ela,  transfiguradas em Maries Kondo e Beas Johnson, fomos dando conta do assunto ao longo do tempo. Tudo visto e escolhido peça a peça, tudo reunido e embalado, tarefas que durante demasiado tempo nos pareciam impossíveis de concluir. Doámos, em excelente estado, mais de 50% do que fomos separando (eu digo 50% mas confesso que a páginas tantas perdemos a noção das quantidades, provavelmente doámos bastante mais do que isso) e alugámos um pequeno armazém onde guardámos o que decidimos ser para nosso próprio uso ou para venda futura.  

Os materiais para lavores foram todos separados do restante, estão todos embalados à espera de serem organizados por categorias, especificidade, fibras, cores, tamanhos/peso... há muito para fazer e para me entreter. Seguramente não precisarei de gastar dinheiro em determinado tipo de materiais durante muito tempo, leia-se anos. Para a casa do Porto trouxe coisa muito pouca, primeiro, não tenho onde guardar tanto material (impossível!), segundo, mesmo que tivesse vou mudar de casa daqui a poucos meses (outra vez) e não faria sentido trazer tralha para depois voltar a levá-la, assim está tudo guardado em terras do sul à espera do meu regresso. Daqui a uns meses terei a oportunidade de vos mostrar a quantidade gigante de novelos e nessa altura vão perceber o que acontece quando alguém com oniomania (distúrbio de consumo) decide comprar lãs, agulhas, fios, telas, etc, como se não houvesse amanhã.  

É desta que monto um atelier à séria dedicado ao meu Lado B. É  impossível ter tanto material sem ser num espaço apenas para o efeito. Quero ter o material guardado mas não encaixotado, ou seja, pretendo que fique organizado mas à vista para poder ver as fibras e as cores e ficar pronto a usar a qualquer momento. Veremos se na próxima casa consigo ter um espaço dedicado à causa e se não conseguir outras soluções hão-de aparecer. Desafios não vão faltar, entre muitos outros irão aparecer os do género "o que fazer com estes cinquenta e sete  novelos todos iguais?"... este até nem é muito difícil, faço uma manta! hahahahaha

Vamos só dar uma vista de olhos por projectos que já fiz com alguns dos fios que fui trazendo comigo para o Porto nos últimos tempos. A primeira imagem, a de lá de cima do início da publicação, é uma pequenina amostra de novelos mesclados que fazem parte do dito stock herdado. A que se segue, a peça pendurada no cabide, é de um projecto que já passou por aqui, o Casaco Mesclado que publiquei em Abril do ano passado, durante o primeiro confinamento das nossas vidas, e tem instruções para que possam fazer o vosso casaco. Vejam aqui.  


Seguem-se uns granny squares em fio de algodão que foram feitos a pensar numa peça, mas agora estou na dúvida se os aplico na ideia que tinha tido ou não. Os granny squares são propícios a este tipo de incertezas porque são muito versáteis, começamos a fazê-los com  um objectivo e durante o processo saltam mais cinquenta mil ideias onde podemos usá-los. Vou começar por bloqueá-los e depois logo decido o que fazer com eles. E vocês, o que acham que podia ser feito com estes quadrados tão bonitos? a mim fazem-me lembrar pequenos azulejos, com certeza pelas cores que escolhi. Aliás, há algum tempo que ando a estudar possibilidades de desenhar padrões inspirados na azulejaria portuguesa e estes já se encaixam muito bem na ideia, embora este padrão não tenha sido desenhado por mim, encontrei-o numa antiga revista. É lindo, não é?


As peças que se seguem provavelmente também já as conhecem. Trata-se de um pequeno xaile feito com um fio quente, um cake-ball winter rainbow dos fios Katia, tenho-lhe dado muito uso nos últimos Invernos, ao seu lado vemos um saco de compras, daqueles ao estilo francês, em rede, que fiz com o fio de algodão igual ao dos granny squares que mostrei anteriormente, um algodão que não faço a menor ideia de qual a marca, os novelos já não tinham as cintas, mas tenho a dizer que é de qualidade superior e havia bastante, cerca de um quilo. Ah, e dentro do saco de rede está um novelo, outro cake ball também dos fios Katya, desta vez o spring rainbow com o qual vou fazer um acessório que mostrarei daqui a uns tempos, estou confiante que ficará muito interessante, o fio tem um degradé bonito. 


Segue-se o último projecto que fiz, um casaco primavera/verão em fio de algodão da Pingouin,um modelo top-down simples saído da minha cabeça. Gosto muito dos modelos raglan, como este, mas têm muito que se lhe diga, ao mínimo descuido o trabalho fica todo enviesado, a execução destes modelos pede muita atenção aos pontos que fazemos em cada volta, o ideal é contá-los sempre e fazer uso de marcadores em cada canto. Este consegui montar sem ter de o desmanchar para corrigir o número de pontos, mas nem sempre corre assim tão bem. Deste fio havia dez novelos de 50gr, um pack inteiro por abrir, usei nove para um tamanho M


Na foto acima, vemos o casaco feito mas sem acabamentos, falta-lhe também um botão para aplicar na união superior das abas, um único botão, é como gosto de ver, e vemos o efeito que fará, com o marcador que coloquei a fingir de botão. Na foto seguinte, já terminado, vemos um debruado em ponto caranguejo, feito à volta do corpo e punhos. Escolhi um tom caramelo e um fio ligeiramente mais espesso, também em algodão, um aproveitamento de resto de novelo. Como podem ver o debruado faz com que as abas ganhem um certo peso quando abertas e viram, dando-lhe um certo ar de gola de blaser. 


Bom, o que acabam de ver é apenas uma gota de água no meio do oceano, pois o mar de fios que tenho para vos mostrar num futuro próximo é imenso. 

Para concluir, em breve iniciarei outro processo idêntico, mas desta vez com a casa e pertences dos meus queridos pais. Materialmente representará uma tarefa um milhão de vezes mais simples quando  comparada com a anterior, mas emocionalmente é muito devastadora. Têm sido tempos mesmo muito difíceis de digerir, a somar a uma pandemia que tantos estragos causou, mas acredito igualmente que é o fechar de um ciclo e a abertura de um outro, por isso mesmo estou muito esperançada com a mudança que se avizinha, sinto que vai mexer-me na vida de forma muito positiva, começando logo por ser uma mudança há muito desejada, só por isso já é um magnífico. E a vida é mesmo isto, um caminho cheio de altos e baixos mas só pode ser percorrido num sentido, para a frente, é sempre por lá que está o caminho e eu tenho gana em percorrê-lo, portanto siga.

Sabe-me sempre bem vir aqui deixar um bocadinho de mim. Obrigada por me lerem ❤ e pela paciência 



Até já!
Ana Lado B



1 comentário

  1. Olá Ana, que tarefa hercúlea essa de desmanchar a casa da tua madrinha. Já vi várias casas assim, só que sem afilhada para desfazer-se das coisas com amor e carinho. As casas ficam intactas e são entregues ao senhorio tal e qual! Tens dado e vais continuar a dar caminho à tua herança de fios e com isso irás nos proporcionando coisas lindas de se ver! Ainda bem que tiveste a ajuda preciosa da tua filha que soube, com a praticidade necessária dar caminho a tudo. Confesso que desanimo quando vejo sacos cheios e moveis a abarrotar. É preciso um sangue frio e muita calma nessa hora. Força para a casa dos teus pais. É como dizes, será um ciclo a fechar-se e outro a iniciar-se e desejo-te tudo de bom nestas duas etapas. Beijinho grande, boa semana!

    ResponderEliminar

Obrigada pelas palavras!
Thank you for your words!