dos dias que passam # Junho, a ressaca do que ainda não passou

Junho, mês da chegada do Verão, para mim um mês de acontecimentos, alguns inesperados, o mês onde fecho uns ciclos e abro outros. No meu Lado A, é o mês que marca o final de uma época e a primeira fase de preparação da seguinte. No meu Lado B, marca aquele momento em que fico com menos tempo para os crochets, precisamente porque o meu lado profissional me invoca praticamente a tempo inteiro. E a parte mais curiosa, chamo-lhe assim para não apelar ao dramatismo, de há uns anos para cá é sempre em Junho que os meus velhotes se vão mais abaixo, e visto ser um mês em que preciso de estar muito focada no meu lado profissional torna-se numa complicação gerir todas as necessidades. Consigo sempre dar a volta à questão, mas sai-me do corpinho e dá-me conta dos fusíveis.  A já habitual ruptura dos pais acabou por se agravar ainda mais este ano à conta do estupor do bicharoco. Calma, ninguém ficou infectado, estamos todos bem, mas lá que o bicho teve muita culpa do que acabou por acontecer, teve.
Da frente para trás, ou vice-versa, hoje apeteceu-me partilhar convosco alguns episódios das últimas semanas. Considerem esta publicação como uma forma de organizar os meus pensamentos e inquietações, até porque é mesmo isso, Ah e também porque foi feriado por aqui e tive tempo para me sentar à frente do computador para escrever-vos. Chama-se a isto saudades de aqui estar ❤


23 de Junho de 2020. Noite de S. João. Sem festa, sem arraiais, sem bailaricos, sem balões, sem martelinhos, sem alho porro, sem gente na rua, sem amigos para brindar, sem fogo de artifício, sem folia, uma noite de S.João tímida e quase silenciosa. Quase, porque cada qual celebrou como possível. Cá em casa acendeu-se o fogareiro na mini-mini varanda para comermos a bela da sardinha assada. Foi assim na nossa varanda e nas outras da nossa rua, o que me leva a crer que deva ter sido assim em muitas casas e ruas do Porto, tudo de fogareiro na varanda, terraço ou quintal .

15 de Junho. Um dia muito especial, o do aniversário da minha filha que este ano celebrou 28 anos... o tempo passa tão depressa...

10 de Junho. Feriado. Manhã. O pai foi parar às urgências do S. João. Infecção renal e desidratação. Consequências da maldita quarentena. Felizmente, em cinco dias recuperou bem e voltou para junto de nós. Na era covid, sem possibilidade de o visitar, de ver como se encontrava ou poder mimá-lo, do hospital ficou a memória de equipas extraordinárias, gente muito dedicada e atenciosa que me enviou mensagens e ligou regularmente a dar indicações do estado do meu pai. Digo-vos, o Hospital S.João tem um serviço público de excelência, de se tirar o chapéu. Bravo.

9 de Junho. O meu pai está comigo. 85 anos. Trouxe-o para o Porto para passar uns dias connosco, após ter estado três meses fechado em casa sem nunca ter ido à rua e sem nunca ter convivido com os que mais ama. Mas esteve sempre com a mãe, sozinho, sozinhos, sem os beijos e abraços dos netos ou meus. Foi muito tempo e pouca esperança. A quarentena, um tremendo tratado de solidão para os mais velhos. Isto é uma tortura, dizia-me. Liguei-lhe todos os dias, nalguns mais do que uma vez para lhe fazer companhia. 

8 de Junho. A mãe entrou no Lar. Inevitavelmente, chegou o dia que pensei nunca existir. Aquele dia que só acontece aos pais dos outros mas não aos meus, pensava. A questão é que alzheimer + quarentena é uma fórmula fatídica. O isolamento, pior a cura do que a doença. A mãe perdeu algumas das valências que ainda tinha. Esqueceu como se desce e sobe escadas, esqueceu as nossas caras, esqueceu-se de si. O pai já não conseguia lidar com a situação, não era possível prorrogar mais a decisão. 

4 de Junho. Fomos à manif. Gritámos: parados mas nunca calados! Os trabalhadores da cultura saíram à rua para exigir acção por parte de quem tutela. A realidade de um sector que trabalha constantemente sem rede revelou-se fatal com a pandemia. Nunca houve e continua a não haver soluções capazes e pior, não há vontade de as criar. Não há respeito. Uma situação que para além de triste é grave. A pandemia apenas pôs a descoberto o já previsível.

2 de Junho. Recomecei  uma das actividades do meu Lado A com um decréscimo de 60% de participantes. Sou resiliente, aliás é uma das fortes características de quem trabalha no sector, por isso avançamos e continuamos o nosso caminho. Penso sempre que um dia vou esgotar e luto incessantemente para que esse dia nunca me apareça à frente. 

14 de Maio. Início do desconfinamento. Um certo alívio mas muita desconfiança. Não tocar. Não mexer. Não se aproximar. Estranho, tudo muito estranho. Um dia fomos dar uma volta à baixa do Porto, queríamos ver e perceber a cidade. Estava vazia. Poucos tugas e nenhuns cámones. Entrámos numa confeitaria, à porta um dispensador de gel desinfectante. Estávamos de máscara, lá dentro também todos de máscara por detrás de um enorme balcão protegido por um acrílico, uma  fronteira entre nós e eles. Tão estranho. Lanchámos e conversámos um pouco com os funcionários da confeitaria. Estavam tristes e muito apreensivos com os dias que aí vinham. Uma confeitaria outrora sempre a abarrotar de gente ora descontraída, ora agitada, ora com tempo, ora apressada, mais calada ou mais faladora, mas gente, muita gente, e agora praticamente deserta. É assustador. Querer seguir em frente, lutar pela sobrevivência mas sem certezas, nem do amanhã, nem do próprio final do dia.


A terminar.

Sobre a pandemia. Não há arco iris nem unicórnios que nos possam valer. Não vai ficar tudo bem, nem vamos ficar todos bem, até porque já nada está bem. Há famílias que perderam os seus entes queridos, porque levados pelo vírus. Há quem perdera o emprego. Há quem não tenha o que pôr na mesa e vive na incerteza de quanto tempo mais vai ter de lidar com tão tremenda situação. Há demasiadas pessoas desamparadas, sem recursos, a viver um verdadeiro inferno. De momento o futuro é uma visão embaciada. De certa forma, estamos encurralados no meio de um cerco sem fim à vista.

Cá por casa. Embora no meio da batalha e sem certezas de quando vai terminar, não temos sido dos mais castigados. É verdade que vimos muito trabalho cancelado, mas tivemos outro adiado que, felizmente, já iniciou. Os filhos. O mais novo queima o último rastilho do ano lectivo mais atípico da nossa história recente. O do meio tem tido uma ou outra sessão fora de casa com os colegas e amigos que igualmente se encontram a fazer um estágio. A mais velha continua o seu caminho, a derrubar toda e qualquer barreira que se imponha à sua frente, é uma verdadeira guerreira de combate a minha miúda já muito graúda. Com os meus pais, agora tudo mais tranquilo. A mãe está bem, já tem amigas no seu novo lar. O pai está mais conformado com a nova condição, longe da sua querida companheira ao fim de sessenta anos sempre juntos, mas sabe que ela está bem e isso deixa-o igualmente bem.

Sobre o futuro. A primeira certeza? é incerto. De resto, sou resiliente, já o disse. Tenho planos e quero concretizá-los. Considero-me um espírito positivo, embora a passagem dos anos me vá deixando cada vez mais cautelosa, mas é característica que muito de bom me tem acrescentado à minha vida e sei que me ajudará a ultrapassar toda esta loucura.

Sobre a nova normalidade, um pau de dois gumes. Preocupa-me a falta de cuidado daqueles que ainda não atingiram que não estamos em altura de celebrações e de vida "normal". Por outro lado preocupa-me a falta de liberdade a que estamos sujeitos. A fórmula, acho, é mesmo termos o máximo de cuidados com a propagação do bicharoco, a bem da comunidade e da vida de cada um de nós. É que afinal todos queremos voltar a ser livres para vivermos a vida tal como merece ser vivida.

Sobre o Blog. Nada tem que ver com o resto, mas estou furiosa porque desapareceram os ícones das imagens das redes sociais, embora os links estejam cá, mas lidar com html é um desespero. Mas caso desse lado consigam visualizar os ícones no cabeçalho e lateral do blog, por favor digam-me. Obrigada!


Sobre o Lado B, deixo-vos com esta imagem do que tenho andado a fazer, ainda longe de estar terminada esta camisola de Verão já começa a ganhar forma. Pelo menos já temos tronco.
Cuidem-se e mimem-se



Até já!
Ana Lado B


2 comentários

  1. Ana estes meses têm sido muito duros para muita gente mas com muita pena nem todos encaram a situação com a devida seriedade. Há que levar o dia a dia com o máximo de cuidados possível para podermos conviver com esta pandemia de forma minimamente segura... Beijinho

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  2. Olá Ana
    Adoro ler o que escreves, sinto o aqui.
    Palavras de quem sabe o que quer e não teme em demonstrar o que está a sentir, minha querida que chegues a bom porto e que tenhas sempre essa luz.Essa que te guia e faz te estar sempre em equilibro entre o lado A e o B.
    Acredito que com o passar dos anos e apesar de termos mais sabedoria haja mais cautelas e fiquemos mais apreensivos.Eu já sinto isso e de inicio achei ser um retrocesso mas agora sei que é normal.
    Quanto ao COVID, mas quando é que isto vai embora, quando teremos uma vida um pouco normal?Tenho medo muito medo.
    Vão me chamar para ir trabalhar e eu por mim não ia, não quero viver no medo, não quero enfrentar turistas não quero nem me chegar perto deles.....talvez seja ignorante ......mas quando o medo toma conta de mim, é isto que sinto.

    Tenho fé e tenho de me proteger a mim e á minha família, acreditar que tudo há de correr bem.
    Que giro ter visto a sardinhada na tua mini varanda, pelo menos isso ningem vos tirou
    abraço de luz
    Lulu
    (ps não vi os icons )

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