dos dias que passam # cuidar de nós e de todos

Este espaço é dedicado ao meu Lado B, por aqui  falo essencialmente de crochet, mas é também um blog pessoal onde tenho toda a liberdade de me expressar. Vamos a isto. Não sou capaz e não quero fazer de conta que o mundo continua igual, não continua e não voltará a ser o que conhecíamos até aqui. Por isso, e antes de lançar as publicações que tenho preparadas, outras a preparar, ligadas à temática do crochet moderno, que tanto gosto e me motiva, quero escrever-vos algumas palavras sobre os dias que todos estamos a viver. Até porque acredito que para ultrapassarmos maus momentos não lhes podemos virar costas ou fazer de conta que não acontecem. Assim como acredito que para que a nossa inspiração nunca nos falhe é obrigatório que estejamos sempre muito conscientes do que nos rodeia. E o que estamos todos a fazer é a observar o que se passa, a superar e a tentar recuperar a nossa liberdade de ser e de viver o quanto antes. Queremos voltar, mas queremos voltar pessoas melhores, mais inspiradas, mais bem preparadas e mais atentas às vicissitudes que a natureza nos impõe. Portanto, falemos e discutamos o assunto, sim, mas com regras: Não ao pânico. Não à falta de discernimento.  
Pelo meio das palavras vou-vos deixando alguns cantos da minha casa, cantos que têm sido parte dos nossos dias.
Começo.

tenho sempre uma cesta com restos de fios na minha mesa de trabalho. às vezes estou ao computador e lembro-me de uma conjugação de cores. atiro-me à cesta e experimento-a. sabe-me bem.

Parte 1

Quando o inimaginável se torna realidade. Por muito que a minha imaginação divague, nunca, mas nunca, me passou pela cabeça que poderíamos viver uma situação como a que de momento faz parte dos nossos dias, que mais parece um argumento do que uma realidade. Não me passou a mim, nem a ninguém. Enquanto nos chegavam as notícias do oriente, por cá, e no mundo em geral, subestimava-se a epidemia, pensava-se ser qualquer coisa localizada a acontecer lá longe, a outros. Eu subestimei, naquele momento nunca parei para pensar no perigo da propagação pelo mundo, eu, céptica, achei tudo um exagero de gente com tendência para a desgraça e alarmismo, eu, sem querer, arrisquei, expus-me, coloquei-me a jeito, a mim, aos meus e aos outros. Depois, dia após dia, todos começámos a perceber que a coisa é séria, que não vai deixar ninguém à margem, que precisamos de nos proteger. Ficámos conscientes da inadiável necessidade de mobilização colectiva para  travar o flagelo. Ficamos com medo que nos entre pela porta dentro. Fechamo-nos. Ficamos em casa. Fico em casa. Fica em casa! 

aqui é onde me sento a escrever-vos, a trabalhar, a estudar, ler ou a não fazer nada, apenas a olhar. vejo o céu e eu nunca tinha tido uma janela donde podia ver o céu assim tão bem.
Parte 2

Fechados. Por aqui, fechados em casa há nove dias. Estamos conscientes que estaremos confinados a esta condição com toda a certeza por mais um mês. Depois não sabemos. Ninguém sabe. Nem podemos querer saber, não adianta, não é previsível. Precisamos de ser pacientes. Estamos todos a fazer a nossa parte com esperança de que a onda passe causando os menores danos possíveis. A única certeza que temos é que a onda vai agigantar-se mas depois vai passar. Protegemo-nos e protegemos, não queremos fazer parte da pior das estatísticas. Enfrentamos algo silencioso que muitas vezes nem dá sinais da sua existência. Ainda sobre o silêncio, todos os dias à noite eu e o meu companheiro temos feito um pequeno serão na varanda, na nossa mini-mini varanda, onde cabemos só nós dois sentados em magras cadeiras, separados por uma pequena mesa onde por vezes estão pousados os nossos copos. Temo-nos apercebido que não se ouve nada, não se ouve ninguém, não se ouve a cidade. Só silêncio, apenas o silêncio.  Apesar de tudo, sabe-nos bem.

este pedacinho de casa pertence à marquise cheia de luz
Parte 3

Ficar em casa. Para muitos, dão tempo a si e aos seus sendo que ficar em casa não é sinónimo de fim-de-semana, outros será a primeira vez que trabalham a partir de casa.  Apesar da minha profissão requerer muito tempo fora de casa, o certo é que preparo tudo dentro das minhas paredes, faço-o mesmo na inexistência de crises, nesse aspecto não sinto necessidade de adaptação, estou habituada. O que me está a assustar muito é que por muito que prepare trabalho em casa não sei quando vou poder voltar a pô-lo em prática. Trabalho na área artística, é o meu Lado A, e desde a semana passada vi toda a agenda cancelada ou adiada, mas não se sabendo para quando.  É o meu problema e o de muitos de nós.

nesta mesa sentamo-nos os quatro duas vezes ao dia para o almoço e o jantar
Parte 4

O poder da natureza. É incrível a natureza e é inacreditável a capacidade de adaptação da humanidade que até há poucas semanas, poucos dias, se debatia com a necessidade das sociedades abrandarem, de se cuidarem muito melhor a si e ao planeta. Para uns, algo impossível de colocar em prática, para outros é uma questão premente. E de repente a natureza encosta-nos TODOS à parede, pôs-nos à prova e mostra-nos o que pode acontecer quando tem que acontecer. De repente, os níveis de CO2 estão abaixo do imaginável em apenas algumas semanas, rios e canais límpidos, a poluição sonora é inexistente, a corrida desenfreada ao consumo parou... caramba, a natureza é poderosa, é Mãe, ensina-nos a descobrir o caminho mesmo no meio do castigo. Moro no centro da cidade do Porto, nos últimos dias tudo o que oiço  durante o dia quando estou sentada ao computador são os pássaros, absolutamente mais nada. As casas da minha rua são quase todas AL (alojamento local), estão vazias, em silêncio. Os vizinhos, somos poucos, vemos quando passeamos os cães ou às vezes nas varandas. O mundo viu-se forçado a parar. Não queremos que ele continue assim, mas esperamos que quando voltar a engrenar o faça com muito mais cuidado, com muito mais respeito. É um desejo mas tenho dúvidas, infelizmente as pessoas tendem a esquecer e muito depressa.

este é um cantinho da nossa cozinha, que desde que nos recolhemos tem sido um dos lugares mais movimentados da casa

Parte 5

O que fazer quando fechados em casa. O momento exige a todos capacidade de nos reinventarmos. Há que inventar, literalmente, actividades que ajudem a passar os dias para que os mesmos não pareçam sempre iguais, para não cairmos na monotonia, no desespero do sempre igual. Precisamos de manter o foco, é absolutamente essencial. Por aqui temos apostado nalgumas actividades que nos ajudam a tornar os dias melhores e posso mesmo dizer-vos que alguns deles bastante agradáveis. 

✰ Obviamente que pessoalmente a prática do crochet é um momento diário que me ajuda a manter o equilíbrio, a relaxar e a acalmar os ânimos quando estes se avariam

✰ Estimular a criatividade. Seja com crafts,  escrita, desenho, pintura, leitura, ouvir música, tudo o que tenham ao vosso alcance é um forte aliado para o fortalecimento da sanidade mental e ajuda a manter as ideias organizadas. Atirem-se a uma ou várias destas actividades e desfrutem. Vai saber-vos muito bem. 

✰ Organizar. Aquela tralha que andava metida nos cantos por falta de tempo para ser arrumada, é um exercício excelente para estes dias. Acabar de pintar os armários da cozinha, também tenho em lista. Aproveitar para organizar as fotografias de anos e anos metidas no computador (quem não as tem?!), com certeza que nos vai deixar felizes, com sentido de missão cumprida, além de que despertamos as nossas memórias que tantas vezes nos valem um sorriso nos lábios ou  mesmo umas valentes gargalhadas.

✰Cozinhar. Além de uma necessidade, pode ser um divertimento e agora não nos falta tempo para estar à volta dos tachos. Gostamos muito de cozinhar, eu os salgados, ele os doces. A cozinha tornou-se numa verdadeira linha de montagem e produção sempre duas vezes ao dia, onde nem o pão e nem os bolos faltam. Se desse lado nunca tiveram muita paciência para cozinhar, esta é a altura de poderem estimular o gosto e experimentarem uma série de possibilidades simples e eficazes. Se possível façam-no em família, vai saber-vos bem. Cá por casa uns cozinham, leia-se pai e mãe, outros ficam responsáveis pela loiça e mesa, leia-se os rapazes, que já são gente como nós. 

✰Cultivarmo-nos. A maioria das pessoas passa a vida a dizer que não tem tempo para ir ao teatro, ao cinema, ao museu, aos concertos, por aí fora. É verdade que alguns não têm mesmo tempo, mas a maioria não tem vontade porque não sente necessidade, não tem hábitos criados, sendo que também existe o importante factor de chegar-se a casa exausto depois de um dia ou uma semana de trabalho e apetecer apenas dar descanso aos neurónios. Ora, agora há tempo e necessidade de pôr os neurónios a mexer. Além dos filmes e séries sempre disponíveis, e a magote, façamos deste período que estamos a atravessar a oportunidade de usufruirmos de mais cultura. Têm surgido inúmeras possibilidades on-line e de livre acesso, desde festivais de música, visitas virtuais a museus, sessões de poesia, performances, teatro, etc, etc, etc. Estejam atentos, procurem o que mais vos atrai e aproveitem!

✰Socializar, só on-line. De vez em quando tenho estado com amigos e família através do skype ou whatsapp. Não nos tocamos, não nos abraçamos, mas vemo-nos, ouvimo-nos e conversamos em tempo real. É divertido e ajuda MUITO a colmatar a ausência física de cada um.

✰Fazer exercício. Nunca fui muito disciplinada com a minha condição física, confesso. De vez em quando fazia umas temporadas de seis meses no ginásio e ia correr para o parque no dia de São Nunca à tarde. Mas gosto muito de andar, ando muito. De momento não se anda por aí só porque sim, então pego na Helga, a minha doce cadela, e damos a volta ao quarteirão. Hoje, por exemplo, precisei de ir ao supermercado e aproveitei para andar, fazendo mesmo uma passada para estimular os músculos.

✰Preparar os dias que vão voltar. Eu e uma amiga desde há uns meses que vínhamos a conversar sobre uma série de ideias que gostaríamos de pôr em prática, ideias e projectos que nos passam pela cabeça mas adiados por, adivinhem, falta de tempo. Agora estamos em contacto e a trabalhar on-line, a trocar ideias práticas, a experimentar e a pensar no que pode vir a ser. Estamos a preparar parte da nossa vida, aquela que vai (re)começar a ser vivida em breve.  

✰Jogos de mesa. Ainda não nos atirámos a eles mas já falámos sobre o assunto. Acontece que temos a maioria na caravana, longe de casa.

o nosso sofá, ou parte dele. desde a mudança não colocámos nada nas paredes, uma ou outra tela já andam por paredes, mas há muito para fazer.  agora temos tempo!

na próxima publicação este casaco será protagonista

É isto. Era isto que queria dizer-vos. Sabe bem escrever-vos sobre os dias que passam. 
É bom sentir-vos do outro lado do ecrã e é bom saber que estamos juntos.
Vamos todos ficar bem ❤


Até já!
Ana Lado B


2 comentários

  1. Olá Ana, e cá estamos nós, em recolhimento, à espera que o tempo passe e que tudo se resolva...
    Gostei do teu texto e roubei a frase "preparar os dias que vão voltar" para dar título a um a matéria que escrevi num jornalinho que temos para os funcionários da empresa. Desculpa esta "apropriação"! Dizes muitas verdades, ouvir o silêncio é essencial, é ouvir-nos a nós próprios e ficar em casa, é virarmo-nos para dentro de nós mesmos. Eu sempre fui caseira, sempre gostei de estar indoor com os meus botões e os meus hobbies mas a liberdade é para mim o mais importante dos conceitos e neste momento, estamos todos muito limitados. Beijinho grande e vai aparecendo para nos mostrares coisas bonitas, pois apesar das incertezas e dos medos, a vida, a troca e a partilha continuam e nos ajudam a seguir em frente. Beijinho grande!

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    1. Preparar os dias que vão voltar tem sido o meu leme nesta viagem tão absurda em que todos estamos envolvidos. Fizeste muito bem em "roubar" a frase, fico feliz por a mesma ter utilidade e poder ajudar a motivar :)

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Obrigada pelas palavras!
Thank you for your words!